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Arrasto: o que é isso?


Por Ricardo Peterson Silveira29/01/2019 21h30

Foto: Simulação das forças experimentadas pelo nadador ao entrar na água, após a saída (Créditos: ANSYS/Speedo).


Poucas coisas têm influenciado tanto a evolução do esporte ao longo dos anos quanto a compreensão das forças que agem sobre o corpo em movimento. No caso de esportes cíclicos como a natação, o ciclismo e até mesmo a corrida, compreender o arrasto e seus efeitos é especialmente importante. Mas, por quê?

Do desenvolvimento de novos modelos de carros de fórmula 1 a bicicletas, piscinas, trajes de competição, alterações nos gestos técnicos e em estratégias de prova, tudo passa pela compreensão do arrasto e de seus efeitos para o desempenho. O arrasto é a força de resistência enfrentada por um corpo em deslocamento no espaço, imposta pelo fluido no qual o mesmo se desloca (seja o ar, nas modalidades "terrestres", ou a água, nas modalidades aquáticas). Basicamente, o arrasto total depende de 3 componentes: o arrasto de superfície, o arrasto de onda e o arrasto de forma (Equação 1).


Arrasto total = Arrasto de superfície + Arrasto de onda + Arrasto de forma [Equação 1]


Cada um desses componentes tem relação direta ou inversa com parâmetros específicos, como a densidade e a viscosidade do fluido, as dimensões corporais e a área de secção transversa do corpo em movimento, a aceleração da gravidade e a velocidade de deslocamento. Mas, de maneira geral, essas três formas de arrasto podem ser generalizadas pela seguinte equação:


Arrasto total = Coeficiente de arrasto × Velocidade² [Equação 2]


Ela nos mostra que o arrasto é especialmente determinante em altas velocidades de deslocamento, visto que este é proporcional ao quadrado da velocidade. O coeficiente de arrasto total é uma constante independente da velocidade e que está relacionada principalmente às dimensões do corpo (i.e. volume, área de superfície, etc.) e à forma do corpo adotada ao se deslocar (i.e. técnica), bem como à viscosidade e à densidade do fluido.

Assim, sabendo que a água é um fluido cerca de 830 vezes mais denso e 55 vezes mais viscoso do que o ar, o desempenho em modalidades aquáticas tende a ser muito mais limitado pelo arrasto do que em modalidades terrestres. Além disso, tendo em vista que o principal objetivo de atletas que participam de modalidades como a natação e o ciclismo, por exemplo, é ser capaz de atingir velocidades de deslocamento cada vez maiores, a redução do coeficiente de arrasto por meio de manipulações nas dimensões corporais e na técnica parece ser a estratégia mais eficaz para se reduzir o arrasto sem prejudicar o desempenho.

Na natação, o arrasto total e o coeficiente de arrasto podem ser quantificados de forma passiva ou de forma ativa. Existem diferentes métodos disponíveis para este fim, tanto por mensuração direta, por meio de recursos dinamométricos, quanto por mensuração indireta, por meio de dinâmica computacional de fluidos. Ao avaliar o arrasto passivo, o nadador é rebocado em posição de deslize (o famoso streamline) por um dispositivo eletromecânico capaz de registrar a força aplicada pelo motor ao rebocar o nadador em cada velocidade programada, como mostra o vídeo abaixo.

Vídeo 1. Mensuração do arrasto passivo na natação por meio de um dispositivo eletromecânico que reboca o nadador em velocidades programadas pelo avaliador.
Créditos: Ricardo Peterson Silveira / Universitá di Bologna (2014).

O mesmo sistema utilizado na avaliação do arrasto passivo pode ser utilizado para a estimativa do arrasto ativo, em velocidades supra-máximas (~10-15% acima da velocidade máxima em que um nadador é capaz de nadar). No entanto, o arrasto ativo é medido ao longo da execução do gesto técnico, por isso a nomenclatura.

Vídeo 2. Mensuração do arrasto ativo na natação por meio de um dispositivo eletromecânico que reboca o nadador em velocidades supra-máximas.
Créditos: Ricardo Peterson Silveira / Università di Bologna (2014).

Outro método bastante conhecido no meio científico pela sua importância para os avanços no campo do conhecimento da biomecânica e da bioenergética da natação é o MAD System (sigla para Measure of Active Drag System), desenvolvido na década de 1980 por um grupo de pesquisadores da Vrije Universiteit Amsterdam e que ganhou grande repercussão a partir dos estudos do Prof. Huub Toussaint relacionados à eficiência e à economia de nado. Este método, consiste da mensuração direta das forças aplicadas pela braçada do nadador em placas fixas posicionadas dentro da piscina, ao longo de 25 m, por meio da instrumentalização desse sistema com células de carga. No método MAD System, a principal assunção é de que a velocidade de nado é constante e, portanto, a força propulsiva registrada nas placas é considerada equivalente ao arrasto.

Vídeo 3. Mensuração do arrasto ativo na natação utilizando o MAD System (vista frontal).
Créditos: Ricardo Peterson Silveira / Laboratório de Biomecânica do Porto (2016).
Vídeo 4. Mensuração do arrasto ativo na natação utilizando o MAD System (vista lateral).
Créditos: Ricardo Peterson Silveira / Laboratório de Biomecânica do Porto (2016).

Com relação a métodos indiretos de mensuração do arrasto na natação, destaco a Dinâmica Computacional de Fluidos (CFD, do inglês Computational Fluid Dynamics), que consiste da inserção de um modelo humano dentro de um programa de computador capaz de simular as características de densidade, viscosidade e velocidade de deslocamento da água relativamente ao corpo do nadador. Neste método, o nadador tem o seu corpo escaneado e reconstruído tridimensionalmente dentro do programa, como podem observar no vídeo abaixo produzido pelo Laboratório de Biomecânica do Porto (Portugal), liderado pelo Prof. João Paulo Vilas-Boas.

Vídeo 5 Mensuração do arrasto na natação por meio de Dinâmica Computacional de Fluidos.
Créditos: Laboratório de biomecânica do Porto (2015).

Dentre os esportes realizados no meio terrestre, o ciclismo talvez seja aquele cujo desempenho seja mais afetado pelo arrasto aerodinâmico, devido à velocidade com que o ar interage contra o corpo em deslocamento. No ciclismo de estrada, por ser uma modalidade realizada ao ar livre, a direção e a velocidade do vento também podem afetar significativamente o arrasto total enfrentado pelo ciclista. O método mais conhecido de quantificação do arrasto nessa modalidade talvez seja o teste em túnel de vento, no qual o ciclista pedala em modo estacionário contra uma corrente de ar que colide contra o corpo do atleta a uma velocidade programada pelos avaliadores. A bicicleta é acoplada a plataformas de força que registram o arrasto aerodinâmico total, como podem ver no vídeo abaixo.

Vídeo 6. Mensuração do arrasto no ciclismo por meio de plataformas de força em "túnel de vento".
Créditos: Boardman Performance Centre (2018).

Para mensuração do arrasto com o ciclista em deslocamento, a Velocimetria por Imagem de Partículas (PIV, do inglês Particle Image Velocimetry) parece ser uma boa opção por possibilitar uma avaliação mais próxima da situação real de prova, como mostra o vídeo abaixo produzido pela Delft University of Technology.

Vídeo 7. Mensuração do arrasto no ciclismo por meio de velocimetria por imagem de partículas com ciclista em deslocamento.
Créditos: Delft University of Technology (2018).

Independentemente da modalidade, seja ela realizada em ambiente aquático ou terrestre, minimizar o arrasto deve(ria) ser uma preocupação de treinadores e atletas que visam ao ganho de desempenho e/ou à redução do custo energético para uma dada velocidade de locomoção. Procurei trazer aqui alguns dos métodos existentes para a avaliação desse parâmetro em duas modalidades cujos desempenho e custo energético são altamente dependentes da magnitude do arrasto total, mas não são os únicos. Há de se ressaltar que, mesmo que algum desses métodos não esteja ao seu alcance, o conhecimento sobre as forças que atuam sobre o corpo do atleta, aliado a uma boa avaliação qualitativa, pode ser de grande valia dentro do seu programa de treino.

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ricardo peterson silveira

Gaúcho de Porto Alegre, Professor de Educação Física e Doutor em Ciências do Exercício Físico e do Movimento Humano pela Universidade de Verona (Itália) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil), com formação complementar na Universidade do Porto (Portugal) e na Universidade de Calgary (Canadá).